Terça, 21 de Maio de 2024

TEORIA DO APEGO: padrões de comportamento no ambiente organizacional

15/10/2023 as 19:26 | Fernandópolis | André Marcelo de Lima Pereira
John Bowlby (1907-1990), psicanalista e psiquiatra britânico, ao observar os cuidados inadequados à primeira infância e o desconforto e ansiedade de crianças diante da separação ou ausência de seus pais ou substitutos (cuidadores), foi levado a estudar os efeitos do cuidado materno para com as crianças em seus primeiros anos de vida. Bowlbyconstatou a presença de marcantes efeitos adversos ao desenvolvimento das criançasquando não recebiam a devida atenção (BOWLBY, 1989)diante de uma interação pobre entre mãe-bebê, escassos cuidados e baixa regulação emocional (IRURITA-BALLESTEROS et al., 2019), ou, ainda, quando, por qualquer motivo, os vínculos afetivos eram rompidos, persistindo a falta de interação com a figura materna na primeira infância (SAUR et al., 2018). Tais observações levaram Bowlby a formular os pressupostos iniciais da Teoria do Apego, construídos com fundamento nos campos da psicanálise, biologia evolucionária, etologia, psicologia do desenvolvimento, ciências cognitivas e teoria dos sistemas de controle (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005).

Bowlby considerava o apego um mecanismo básico dos seres humanos, um “comportamento biologicamente programado, como o mecanismo de alimentação e da sexualidade [...], considerado como um sistema de controle homeostático, que funciona dentro de um contexto de outros sistemas de controle comportamentais” (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005, p. 14). Embora se relacione a outros sistemas que regulam o comportamento do ser humano, o apego, a cuja formação o ser humano está predisposto, envolve uma grande amplitude de ambientes e tem a propriedade de manter o organismo em equilíbrio mesmo diante de mudanças radicais no meio externo.O apegoenvolve saber que alguém está sempre disponível e oferece respostas,proporcionando umsentimento de segurança a fortalecer a relação.Dessa forma, a criança, ao relacionar-se com os pais, cria um conjunto de sinais de proximidade e interação, isto é, um forte vínculo afetivo que garante a evolução de suas capacidades cognitivas e emocionais, passando a confiar na consistência dos cuidados oferecidos, na sensibilidade e responsividade dos paisou cuidadores (GOMES; MELCHIORI, 2012).

Vieira (2020, p. 129), tomando por base as considerações de Bowlby (1989), afirma que um “relacionamento amoroso e seguro seria fundamental para o bom desenvolvimento psicológico da criança, e o rompimento nessa relação provocaria efeitos maléficos até mesmo irreversíveis ao desenvolvimento da personalidade”.Há de se ressaltar que as relações iniciais de apego, assentadas na infância, irão afetar o estilo de apego do indivíduo, ou seja, a criança necessita de uma figura de apego com que se identifique, “construa uma relação de confiança e segurança” (VIEIRA, 2020, p. 131), e atue como mediadora em futuras relações (pacíficas ou conflitantes).

Becker e Crepaldi (2019, p. 240) reiteram que as “primeiras relações de apego desenvolvidas na infância repercutem no estilo de apego do indivíduo” no decorrer do seu ciclo vital. Os laços afetivos instituídos na infância estruturam o alicerce das relações humanas em qualquer ambiente por toda a existência. Na interação com os cuidadores, os pequenos elaboram e desenvolvem modelos internos dinâmicos como representações mentais sobre si mesmas, os outros e o mundo: é por meio destes modelos que os esquemas afetivos precoces se reproduzem na personalidade individual e influenciam as futuras relações pessoais e sociais, incluindo as relações de trabalho (DALBEM; DELL’ÁGLIO, 2005; PEREIRA; FERREIRA; PAREDES, 2013).É importante frisar que o “comportamento de apego é instintivo, e que evolui ao longo do ciclo da vida e não é herdado; o que se herda é o seu potencial ou o tipo de código genético que permite à espécie desenvolver melhores resultados adaptativos, caracterizando sua evolução e preservação” (DALBEM; DELL‘AGLIO, 2005, p. 15).

O apego também refere ações de um indivíduo no intuito de alcançar ou manter proximidade com outro indivíduo, consideradocomo mais apto para lidar com o mundo e que lhe confere proteção e segurança (BOWLBY, 1989). Brasil (2012, p. 26) destaca que o “apego, vínculo emocional recíproco entre um bebê e seu cuidador, constrói-se baseadoem relacionamentos preliminares estabelecidos ainda com o feto e com a criança imaginadapelos pais, antes mesmo do seu nascimento”. Após nascer, o bebê, para sobreviver,precisa dos cuidados de alguém que lhe “assegure que suas necessidades físicas (alimentação, limpeza,cuidado, proteção, entre outras) e psicossociais (de se sentir seguro, amado, protegido, valorizado)sejam atendidas”. Qualquer manifestação do bebê pode ser considerada um “comportamento de busca de apego: sorrir, chorar, sugar [mamar] e olhar nosolhos” (BRASIL, 2012, p. 26). Por isso, é importante observar como os cuidadores (a mãeem especial) reagem a estes comportamentos, ou seja, se dispensam afetividade e aconchego ou se manifestam irritação ou agressividade às demandas do bebê: isto significa que a formação de um apego infantil saudável está relacionada à sensibilidade do adulto que cuida da criança e sua capacidade de responder aos sinais,como choro, sorriso, movimentos motores e reflexos expressos pela criança já nos primeiros dias de vida (GOMES; MELCHIORI, 2012). Para Papalia e Feldman (2013, p. 151), os “bebês precisam de uma relação de apego com um adulto dedicado e confiável”.

Os modoscomo ocorrem as reações aos comportamentos do bebê podem indicar que sua família necessita de auxílio para superar momentos de crise ou de conflitos: o “apegoé um vínculo recíproco e duradouro entre o bebê e o cuidador, cada um contribuindo para a qualidade do relacionamento” (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 220). Irurita-Ballesteroset al. (2019, p. 455) pontuam que a família é a “rede primária de interação social e provedora de apoio indispensável à manutenção da integridade física e psicológica do indivíduo”. Na família, o indivíduo estabelece os vínculos iniciais de convivência grupal:é ela a mediadora da relação do indivíduo com o mundo, provendo apoio afetivo e material, constituindo-se a figura materna comoo principal alicerce da manutenção do equilíbrio moral, mental e emocional da família (CCNCPI, 2016; SOUZA; BAPTISTA, 2017; CALLOOU; CALLOU, 2020). Contraditoriamente, as crianças também desenvolvem sentimento de apego com figuras abusivas, sugerindo evidências de que o sistema do comportamento de apego não é conduzido apenas por manifestações de prazer, mas nasce tanto a partir da resposta positiva dos cuidadores àsnecessidades fisiológicas das crianças, quanto quando não se ofertam tais respostase se omitem (DALBEM; DELL‘AGLIO, 2005).

Para Ramires e Schneider (2010, p. 26),o apego é um “tipo de vínculo no qual o senso de segurança de alguém está estreitamente ligado à figura de apego”. No relacionamento com a figura de apego, importante no desenvolvimento da identidade da criança, a segurança e o conforto experimentados na sua presença permitem que seja usado como uma “base segura”, a partir da qual poderá explorar o mundo (CUNHA; MELO; CARNEIRO NETTO, 2022), não refletindo apenas a busca da proximidade física da mãe ou substituto. As relações estabelecidas nestes contextos funcionam como base da “organização de modelos de funcionamento psicológico [...] e estilos de regulação de emoções, os quais, posteriormente, poderão ser generalizados para situações similares” (PONTES et al., 2007, p. 69).A figura de apego é “base segura”, porque se identifica como o apoio de alguém para encorajar, em quem se pode confiar e a quem se pode recorrer em caso de necessidade. O apego e comportamento de apego se manifestam quando “dois parceiros tendem a se manter próximos um do outro. A relação da criança com o cuidador é entendida como apego” (VIEIRA, 2020, p. 131), porém, a recíproca não é verdadeira: o relacionamento do cuidador com a criança não é considerado um apego, porque o cuidador não vivenciaa mesma sensação de maior segurança na presença do bebê, nem o sente como uma base segura.

O vínculo de apego se revela pela tentativa de proximidade com o cuidador primordial e pelo protesto dianteda separação. Sem a formação desse vínculo, a criança pode distanciar-se dos adultos ao explorar o mundo e expor-se a inúmeros perigos (GOMES; MELCHIORI, 2012). Em decorrência, o desenvolvimento socioemocional evidencia que o modelo de apego deum indivíduo é extremamente influenciado pelo modo como os cuidadores primários o tratam, além de esse desenvolvimento estar ligado a fatores genéticos, temperamentais e ambientais (VIEIRA, 2020). Tais fatores, incluindo a receptividade dos cuidadores e a própria personalidade,contribuempara a construção o tipo de de apego a ser desenvolvido.
Para as crianças, os pais oferecem um modelo de como resolver as divergências nos relacionamentos – oque traz consequências para o padrão de comportamento de apego posterior das crianças: quanto melhor a qualidade dos cuidados e maior a acessibilidade aos cuidadores, maior a probabilidade de as crianças receberem suporte emocional dos adultos na construção de modelos funcionais internos que irão influenciar os padrões de comportamentos e os relacionamentos ao longo da vida(RAMIRES; SCHNEIDER, 2010).Esses modelos são representações ligadas ao apego traduzido em vínculo afetivo, conforme o que se vive na infância (experiências gratificantes ou desagradáveis).

Bowlby (1989) evidencia que os seres humanos de todas as idades desenvolvem melhor suas habilidades quando estão seguros, amparados por poderem contar com a ajuda de uma ou mais pessoas em momentos de crise ou dificuldades. “Não é à toa que o vínculo mais persistente e mais precoce de todas as formasé o vínculo entre mãe e seu bebê, que geralmente dura até a idade adulta. O estilode comportamento da mãe e o quão disponíveis e apropriadas são suas respostastambém servirá de base para a construção de apego nas relações que a criança iráestabelecer ao longo da vida” (SANTOS; PEIXOTO, 2020, p. 228). É oportuno ressaltar que o mais importante da teoria do apego se refere à compreensão de que o apego desenvolvido na relação de um indivíduo com seus cuidadores na infância tende a influenciar a maneira como a pessoa vai relacionar-se mais tarde, na vida adulta, isto é, as relações a partir da infância/adolescência “serão preditivas dos estilos de relacionamentos na idade adulta” (DALBEM; DELL‘AGLIO, 2005, p. 18).

O sistema de comportamento de apego permanece ativo a vida toda, assim como o modelo interno de funcionamento entendido por Bowlby (1989) como regras aprendidas que orientam os processos externos e internos de informação sobre as relações. O estilo de apego não é imutável, podendoevoluir para um estilo de apego mais próximo do seguro. Além disso, para um mesmo relacionamento, o estilo pode mudar em função do momento e do relacionamento, isto é, os estilos de apego permanecem relativamente estáveis na vida adulta, embora possam ser alterados, mas não o modelo representacional de si mesmo, dos outros e do mundo que cercao indivíduo(SANTOS; ALVES; ABREU, 2021). Ampliando a dimensão do apego, os modelos de funcionamento interno, cristalizados na infância, alcançarão um padrão de comportamento individual nas atividades em qualquer fase da vida, com destaque, v.g., para o comportamento dentro das organizações do trabalho.

Estudosidentificamque, assim como na infância, os padrões de vínculo criados pelos adultos com outros adultos podem traduzir quatro principais estilos de apego, a saber: seguro, evitativo, ambivalente e desorganizado (RAMIRES; SCHNEIDER, 2010; PAPALIA; FELDMAN, 2013; BECKER; CREPALDI, 2019; SANTOS; PEIXOTO, 2020, entre outros).Cunha, Melo e Carneiro Netto (2022) reforçam que a construção, pela criança, dos estilos de apego vai produzir reflexos na fase adulta, nos comportamentos pessoais, sociais e no trabalho, embora se reconheça que os estilos de apego formados na infância não são necessariamente idênticos aos manifestados nos apegos adultos

No adulto, o apego seguro sinaliza que oindivíduo tende a ter opiniões positivas sobre si mesmo, sobre seus parceiros e seus relacionamentos. Geralmente, sente-se confortável com a intimidade e com a independência – isso é reflexo da confiança da criança nas figuras paternas, disponíveis à resposta e ajuda diante de uma situação adversa ouamedrontadora. Esse modelo é promovido por um dos pais, especialmente a mãe, sensível aos sinais da criança, nos primeiros anos da infância quando a criança procura respostas, proteção ou conforto. O adulto com apego seguro mantém relacionamentos confiáveis e duradouros, tem boa autoestima, tende a compartilhar sentimentos com parceiros e amigos e buscar apoio social se necessário.

No apego evitativo, o adulto deseja independência, na tentativa de evitar o apego. Ele se vê autossuficiente e invulnerável à ligação com outros. Pode rejeitar relações íntimas, ignorar o outro, negar a aproximação e apresentar baixa escala emocional.Incoerentemente,a pessoa busca manter distância da pessoa alvo de seu apego.Esse adulto pode ter dificuldade com intimidade, envolver poucas emoções em seus relacionamentos sociais e românticos (por exemplo, experimenta pouca angústia quando um relacionamento termina) e não costuma (ou não consegue) compartilhar pensamentos ou sentimentos com seus semelhantes. Pode ter origem na infância quando os cuidadores foram negligentes ou abusivos, advindo de punições quando a criança precisava da ajuda do cuidador.

Adultos com apego ambivalente (associado à disponibilidade materna baixa) buscam níveis elevados de intimidade, aprovação e receptividade dos parceiros, dos quais podem tornar-se dependentes, ou seja, esses adultos têm grande medo do abandono e tendem a desenvolver relações com dependência emocional. Costumam duvidar de seu valor e culpar-se pela carência de receptividade dos outros. Resistem a se aproximar dos outros, mas manifestam preocupação de não serem aceitos e se abalam com o fim de um relacionamento. Podem manifestar sentimentos de resistência, como raiva e necessidade de punir o outro. Este tipo de apego está ligado a uma infância em que o contato com os cuidadores tenha gerado sentimentos mistos ao invés do conforto e segurança.

O adulto com apego desorganizado manifesta falta de comportamento claro de apego. Tem sentimentos mistos sobre seus relacionamentos íntimos: deseja ter relações emocionais, mas tende a sentir desconforto com a intimidade emocional e opiniões negativas sobre si mesmos e seus semelhantes.Lamenta uma separação, mas evita uma reaproximação. Há evidências de que o comportamento inconsistente dos pais possa contribuir para a formação deste estilo de apego que, geralmente, vem associado a um padrão instável de cuidados na infância.

As relações de apego traduzem padrões de comportamento ligados às relações interpessoais. Nos adultos, os tipos de apego espelham construções internas desenvolvidas desde a infância em situações que, atualmente, passaram a explicar as reações dos indivíduos no ambiente de trabalho, onde brotam situações comuns de ameaça, desavença, confronto e conflitos diversos.Jarret (2020) aduz que, se o indivíduo repete os mesmos padrões contraproducentes (como dificuldade em aceitar críticas, receio de pedir ajuda a outras pessoas, medo de errar ou de ser rejeitado por ter desempenho fraco), provavelmente esses comportamentos tenham origem na natureza do relacionamento estabelecido com os pais (ou substitutos) que, ao não assegurar uma solução amigável e construtiva, partiam para o conflito ou discussão, atitudes que devemter influenciado a formação do estilo de apego. O tipo atual de relacionamento com as pessoas, em decorrência da construção do apego, interfere na capacidade de estabelecer relacionamentos saudáveis no trabalho e a forma como age neste ambiente, associada a fatores variados como a própria personalidade e a personalidade dos colegas, o tipo de chefia e a cultura organizacional.Jarret (2020) destaca, porém, que o relacionamento dos pais na infância é relevante, porque são eles as figuras que primeiro oferecem um modelo positivo ou negativo de como as se resolvem as divergências nos relacionamentos, mesmo se podem ser resolvidas.

No contexto laboral, a teoria do apego mostra-se uma “variável importante quando se considera o desenvolvimento dos indivíduos ao longo da sua trajetória profissional” (ANDRADE; OLIVEIRA, 2020, p. 36). Os tipos de apego explicam os componentes interpessoais e intrapessoais nas relações de trabalho. O apego no campo do trabalho pode apontar uma visão positiva sobre o indivíduo, as relações com seus pares e a organização. Pessoas com apego seguro, por exemplo, estabelecem um modelo de relações humanas mais exploradoras do ambiente, têm maior percepção de autoeficácia e expectativas de resultados favoráveis em investimentos profissionais, interagem positivamente com os demais integrantes da organização (diretores, supervisores, colegas de trabalho), são mais comprometidas e estáveis nas organizações a que estão vinculadas, apresentam níveis mais elevadosde percepção de suporte social, de motivação e satisfação, maior desempenho dos domínios acadêmicos e menores entraves de carreira.Caprioli e Araújo (2016, p. 76) consideram que o “comprometimento liga um indivíduo a uma organização por meio de um estado psicológico”, provendo estabilidade. Essa ligação se realiza pela “internalização e a introspecção das crenças e valores organizacionais por parte do indivíduoque, por afeição [e apego interno], cria um desejo de permanência e de lealdade influenciados por emoções positivas no exercício de suas tarefas”.

Caprioli e Araújo (2016) ainda lembram que o apego favorece as três dimensões do comprometimento: um desejo ou comprometimento afetivo (apego), uma necessidade ou compromisso instrumental e continuidade (percepção do absenteísmo) e uma obrigação ou comprometimento normativo (obrigação em permanecer).Tomazzini e Costa (2020) reforçam que o comprometimento é uma ligação, vínculo ou apego do indivíduo à organização e compreende três concepções que justificam tal ligação: ligação afetiva (com base nos apegos estabelecidos desde a infância) como um desejo (natureza emocional do vínculo)de querer permanecer na organização; a obrigação pela qual os funcionários se sentem moralmente compelidos a permanecer (vinculação organizacional normativa); e consciência de custos (os indivíduos são investimentos da organização, vínculo instrumental).

Entre os tipos de apego que produzem padrões de comportamento no ambiente organizacional destaca-se o apego seguro que promove a reflexão e orientação, desenvolve e estimula o otimismo e promoveexpectativas em relação a futuros possíveis. Por isso, a elaboração do apegona infância antecipa atitudes favoráveis ou desfavoráveisno planejamento dacarreira (ANDRADE et al., 2018).Contrariamente, profissionais com apego inseguro corporificam concepções negativas de si mesmo ou dos outros, carreiam para si maiores níveis de ansiedade em relação à satisfação das expectativas de outros indivíduos, manifestam maior ambivalência nas tarefas e no próprio desenvolvimento profissional. Neste sentido, por exemplo, evidências mostram estreita relação de apego inseguro com dimensões de burnout e conflitos trabalho-família e afeta “negativamente aspectos da liderança autêntica e bem-estarde trabalhadores” (ANDRADE et al., 2018, p. 37).

Em síntese, pode-se dizer que, no ambiente organizacional e de trabalho, os indivíduos tendem a manifestar diferentes reações e comportamentosconsoante os padrões de comportamento formulados, desde a infância, em relação ao apego. No apego seguro, o funcionário é capaz de se lançar a desafios com mais facilidade, relacionar-se bem com a equipe e confiar nos seus companheiros, porque acredita em que será amparado quando solicitar. No apego ambivalente, o funcionário não se arrisca, prefere executar sempre a mesma função por medo de exercer uma função nova enão acredita na competência dos seus colegas quanto à sua demanda emocional; por isso, não se destaca e necessita de trabalhar a capacidade de resolver conflitos e buscar equilíbrio psicológico e estabilidade de humor e emoções. No apego evitativo, os líderes se locomovem mais focados, são frios e calculistas, embora tenham dificuldade de se relacionar com os colegas: desconfiam e não buscam aproximação afetiva; para eles, importam mais as tarefas do que a interação, mantendo-se determinados a todo custo. No apego desorganizado, o funcionário oscila entre um posto e outro e não se fixa emdeterminado trabalho; écontraditório,impulsivo, não executa bem as tarefasporqueé incrédulo quanto às suas habilidades e competência e às de seus colegas; necessita deum modelo para se tornar uma pessoa melhor e modificar sua visão de mundo.

Há várias formas pelas quais o estilo de apego afeta o comportamento do trabalhador. Diante de um padrão de apego ansioso, por exemplo, pode prevalecer o medo de ser rejeitado devido a um desempenho insatisfatório; no apego evitativo, a produção de desconfiança é direcionada a gestores e colegas. Situações como essas sugerem que os psicólogos do trabalhorecorram à teoria do apego paraajudar a explicar as raízes dos comportamentos dos funcionários no ambiente de trabalho. À exceção do apego seguro, os outros tipos de apego predispõem a produzirprejuízos nas relações laborais e torná-las pouco ou nada saudáveis. É oportuno lembrar que um estilo de apego não é predestinação (JARRET, 2020).

O padrão de apego evolui ao longo da vida em resposta às circunstâncias atuais e pode alterar-se ou levar o indivíduo a adaptar-se a outro tipo de apego e favorecer, por exemplo, a manifestação de um estilo de apego seguro.Dalbem e Dell‘Aglio (2005, p. 16) acentuam que, por meio dos “modelos internos de funcionamento, ocorre uma tendência de recriação nas relações atuais do indivíduo, do padrão de modelo interno de apego primário”, de forma que os padrões de apego constituídos na infância percorram as diversas fases do ciclo vital, mesmo que se mostrem menos evidentes em adolescentes e adultos com reflexos reduzidos, por exemplo, nas atividades laborais, ou seja, são estáveis, mas a perda das relações parentais e rupturas de vínculos primários impactam fortemente o desenvolvimento individual. Tomazzini e Costa (2020, p. 274) também consideram a possibilidade de criação de vínculo entre indivíduo e organização, estabelecido a partir de uma perspectiva que, a despeito de elementos afetivos e psicológicos, enfatiza “relações de controle e autoridade que induzem o trabalhador a obedecer ou cumprir o papel desubordinado dele esperado”.

Na esfera mental, o profissional psicólogo tem na psicoterapia um instrumento de abordagemestratégica para dimensionar etratar problemas relacionados ao apego, como a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC). A TCC auxilia a pessoa a compreender seus pensamentosdisfuncionais sobre si mesma e sobre os outros, e a entender as emoções que exercem alguma influência em seus comportamentos as quaiscontribuem para a manutenção do estilo de apego não saudável.Callou e Callou (2020, p. 437) reconhecem que, "embora o processo terapêutico também conhecido como psicoterapia, necessite ter à frente um profissional [o psicólogo] capacitado para desenvolvê-la [...],a construção de um pacto entre o profissional, a criança e a família para que se obtenham resultados positivos se materializa como uma demanda necessária para sua condução”.

Além da TCC, segundo Ramires e Schneider (2010), para executar seu atendimento, o psicólogo pode lançar mão de outros mecanismos e tipos de psicoterapia como a terapia dos esquemas, a psicanálise, a terapia comportamental dialética etc., conforme as possibilidades de adaptação de cada indivíduo. O processo psicoterápico possibilita avaliar o histórico familiar e o processo de desenvolvimento do apego, uma vez que a compreensão do apego cursa pelo entendimento do desenvolvimento emocional da criança e o desempenho futuro na esfera profissional.

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