Sexta, 26 de Abril de 2024

Anistia não se aplica a agentes da repressão, recomenda CNV

10/12/2014 as 20:00 | Brasil | Da Redaçao
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade, apresentado oficialmente nesta quarta-feira (10), traz entre suas recomendações a determinação da responsabilidade jurídica de 377 agentes públicos envolvidos em graves violações de direitos humanos.

Para que esses agentes possam ser responsabilizados, a Comissão sugere que eles sejam afastados da aplicação da Lei de Anistia (Lei 6.683/1979) - que impede hoje a punição dos agentes da repressão na Justiça.

Anistiar esses agentes "seria incompatível com o direito brasileiro e a ordem jurídica internacional, pois tais ilícitos, dadas a escala e a sistematicidade com que foram cometidos, constituem crimes contra a humanidade, imprescritíveis e não passíveis de anistia", destaca o texto do capítulo cinco do relatório. O entendimento da Comissão da Verdade é o mesmo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Estado brasileiro em 2010 no julgamento do caso Gomes Lund, referente à guerrilha do Araguai.

Em sua decisão, a Corte considerou que as disposições da Lei de Anistia brasileira são incompatíveis com a Convenção Americana dos Direitos Humanos por impedirem a investigação e punição de graves violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade.

Crimes conexos

Com base no termo "crimes conexos", a interpretação da Lei de Anistia considera anistiados tanto os perseguidos políticos do regime militar quanto os agentes do Estado que cometeram crimes contra eles, como torturas e assassinatos - o que impede que esses crimes sejam julgados.

Em abril de 2010, por sete votos a dois, o STF manteve essa interpretação após julgar uma medida apresentada pela Comissão Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pretendia excluir da lei o perdão outorgado aos agentes do Estado que cometeram crimes contra opositores políticos durante a ditadura militar.>

Na ação, o Conselho Federal da OAB considerou "que a anistia concedida por essa lei não se estende aos crimes comuns como tortura, homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor, praticados pelos agentes de repressão contra opositores políticos durante o regime militar". Os únicos votos a favor da revisão da Lei foram dos ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto, que se basearam na interpretação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre esse tipo de lei.

Entenda a Lei de Anistia

A Lei de Anistia (Lei nº 6.683), que completou 35 anos em 2014, foi promulgada pelo último presidente da Ditadura Militar no Brasil (1964 - 1985), João Baptista Figueiredo, no dia 28 de agosto de 1979 - primeiro ano de seu mandato - após um amplo processo de mobilização popular que culminou no embate parlamentar entre Arena (Aliança Renovadora Nacional) - partido de sustentação da ditadura - e MDB (Movimento Democrático Brasiliero), que representava a oposição ao regime no Congresso Nacional.

Em 28 de junho de 1979, o então presidente Figueiredo apresenta ao Congresso o projeto de Lei nº 14/79 de autoria do Executivo, com a proposta de anistiar "aos que hajam cometido crimes políticos ou conexos". "Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política", define o texto.

O projeto do governo recebeu diversas críticas da oposição parlamentar e do Movimento Pela Anistia, entre elas a expressão "crimes conexos" que concederia anista tanto aos perseguidos políticos quanto os agentes do Estado que cometeram crimes contra eles.

Teotônio Vilela

Filiado à Arena, partido que dava suporte ao regime militar, o senador alagoanoTeotônio Vilela passou para a oposição em abril de 1979 filiando-se ao MDB e exerceu a presidência mista que estudou o projeto sobre a Lei de Anistia encaminhado ao Congresso. Teotônio abraçou a causa e visitou presos políticos em todo o território nacional, colhendo relatos das condições a qual estavam submetidos. Em entrevista à imprensa afirmou não ter encontrado nos presídios nenhum terrorista, mas jovens que lutavam pela democracia.

A matéria tramitou de 28 de junho a 22 de agosto de 1979, quando foi aprovada, na forma do substitutivo apresentado pela Comissão Mista instalada para sua apreciação, em tumultuada sessão do Congresso Nacional. O parecer do relator Ernani Satyro (Arena -PB), ex-ministro do Superior Tribunal Militar, foi aprovado pelos líderes dos dois partidos em votação simbólica. Teotônio Vilela, considerou o substitutivo aprovado pior que o projeto apresentado pelo governo e volta a defender a anistia ampla, geral e irrestrita.

O senador Paulo Brossard, líder da maioria no Senado, considerou a aprovação uma vitória da oposição ao regime, apesar de classificar a anistia proposta como assimétrica e insatisfatória, pois "perdoa todos os agentes da repressão", que teriam torturado até a morte presos políticos, mas "não perdoa todos os acusados de subversão, por julgá-los terroristas".

O senador Jarbas Passarinho, da Arena, admite que o projeto governamental era a anistia então possível e deveria ser considerado como o primeiro passo, que poderia ser futuramente ampliado.
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