Quinta, 18 de Abril de 2024

Podres como sempre

20/04/2017 as 09:25 | Fernandópolis | Da Redaçao
O movimento punk surgiu na década de setenta com os Ramones, marcado pela música rápida, curta e simples, sem os arranjos complexos do rock`n`roll tradicional, influenciados pelos predecessores MC5, Stooges e Velvet Underground. Logo o estilo aportou na Inglaterra, onde tornou-se, além de estilo musical, um comportamento, influenciando também a moda e arte de maneira geral, expondo sua visão crítica da sociedade, num momento pós-segunda guerra, que gerou grandes problemas econômicos e sociais naquele país.

Apesar da agressividade visual e sonora do estilo, o punk sempre pregou a paz, causando choque por meio dessa vestimenta e das letras nuas e cruas de sua música, questionando os valores da sociedade da época, o “politicamente correto’, no jargão atual, e toda política “correta” em desfavor das minorias, beneficiando as elites: financeira, primeiramente, assim como a intelectual. Lembre-se, ainda estou falando do passado.

A banda The Clash inaugurou o estilo no Reino Unido, seguida por Sex Pistols. Nos Estados Unidos, além dos pais do estilo, Ramones, destacaram-se os Dead Kennedys, para citar os mais expressivos e famosos.

Abrindo um parêntese, vale lembram que o punk pode até ser considerado o precursor do hip-hop, por incrível que parece, mas sem muita surpresa, se pensarmos na proposta original do estilo, ou seja, romper com os modelos prontos elitistas e valorizar os excluídos. Foi em 1982, que Malcolm McLaren, o empresário da banda Sex Pistols, lançou “Buffalo Gals”, música considerada a gênese do hip-hop e de tudo que nasceu de sua descendência.

No Brasil, o movimento punk surgiu em meados da década de oitenta, tendo como marco o festival denominado “Começo do Fim do Mundo”, realizado no Sesc Pompéia, que acabou em pancadaria, com a contribuição dos punks do ABC. Aliás, até a década de noventa, mesmo em shows de heavy metal, os grupos do ABC eram sinônimo de bagunça.

Apesar da violência imprimida pela maioria dos punks de São Paulo e do ABC, surgidos de gangues de rua, que como tais muitos grupos permaneceram, a cultura, na verdade queria pregar apenas a insatisfação com a hipocrisia da sociedade, defendendo valores como o antimachismo, anti-homofobia, antifascismo, liberdade individual, autodidatismo. Era a luta contra o capitalismo e a sociedade de consumo.

Dentre os precursores em terras tupiniquins, está a banda Cólera e os Inocentes, em São Paulo, Detrito Federal e Aborto Elétrico (embrião da Legião Urbana e Capital Inicial), em Brasília, que de certa forma influenciaram o surgimento da Plebe Rude e até do Paralamas do Sucesso, para espanto de muitos. Eram amigos e, em Brasília, naquela época, não havia qualquer tipo de diversão, a não ser tocar música na garagem de casa, segundo me disse, certa vez, o Philippe Seabra, vocalista e guitarrista da Plebe Rude.

Mas, o ABC também foi berço de outras bandas punks, como o Garotos Podres, que se apresentou semana passada em nossa cidade, disfarçados de “O Satânico Dr. Mao e Os Espiões Secretos”. Banda que traz apenas o vocalista Mao da formação original e usa esse nome até terminar a briga na justiça pelo uso do nome Garotos Podres. Talvez tenha sido a única banda do mundo dividida não por questões financeiros, mas por discordância político-ideológica.

Mesmo com poucos expectadores, Mao e a banda se comportaram como em um grande show. Mostraram sua energia, sua ironia e seu grito tentando, uma vez mais, quebrar a vidraça das janelas da hegemonia burguesa. Mostraram que ainda sabem fazer música punk, que gostam do que fazem e continuam combatendo a política que gera a miséria de nosso país.

As letras de suas músicas nunca antes nesse país estiveram tão atuais. Pode ser que nos últimos anos não fizessem sentido, já que os jovens não tinham contra o que protestar, pois os miseráveis estavam comendo e pobres podiam até ter um carro, mesmo sob a indignação das elites e a incredulidade dos semi-burgueses.

O Mao, de coturno moderno, bermuda e um jaleco branco de médico, parecia rejuvenescido, mantendo a irreverência e o protesto escrachado, direto ou velado, como se tivesse sido arrancado da capa do meu LP. Fiquei impressionado como tantos jovens sabiam as letras de suas músicas que fizeram sucesso na década de oitenta. “Papai Noel Velho Batuta” ainda parecia um hit.

Refletindo depois, pareceu-me fazer todo sentido. Se a imagem do disco antigo se transportou para a época atual, a situação do Brasil de nossos dias, parece um xérox de épocas passadas. A música “Anarquia Oi” poderia ser a trilha sonora da “reforma” da previdência.

Tudo que temos visto e ouvido ultimamente, inclusive o show da semana passada, mostra que os garotos continuam podres como sempre, os da banda, da política e das elites.

Sérgio Piva

s.piva@hotmail.com
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