Os gatos pingados

Quando ainda se debatia a audiência pública que seria agendada para discutir o aumento do número de cadeiras na Câmara de Fernandópolis, eis que os nobres vereadores se anteciparam e sepultaram definitivamente o projeto que haviam aprovado anteriormente. Agora é zéfini. Não teremos aumento de salário, tampouco de vereadores para a próxima legislatura. A iniciativa partiu do vereador Chico Arouca, que desde sempre havia se posicionado contrário ao aumento, e foi abraçada pela unanimidade de seus pares. Menos mal.

Imediatamente, surgiram comentários sobre o que teria levado os vereadores a adotar esse procedimento, agora em tempo recorde, já que demoraram cerca de um ano para tomar essa decisão. Seria o medo das ruas, como noticiaram os órgãos de imprensa? Para mim, não importa a razão, o que há de ser destacado é que a vontade popular acabou prevalecendo.

Em todo o país, principalmente nas pequenas cidades do interior, a população tem se manifestado contrariamente aos aumentos de salários e de vereadores. O episódio mais marcante nesse sentido foi a reação dos “gatos pingados”. Em Jacarezinho, pequena cidade do interior do Paraná, os vereadores aumentaram de 9 para 13 o número de vereadores. Aumentaram, também, os salários, a contragosto da população, que foi a uma sessão da câmara para reclamar. Como havia poucas pessoas reclamando, um vereador, em tom de deboche, disse que eles não passavam de uns “gatos pingados” e por isso não teriam força para mudar nada. Foi a motivação que faltava para a população se revoltar e entornar o caldo. O resultado do movimento popular todo mundo já sabe: a câmara de vereadores revogou os aumentos de cadeiras e salários.

A notícia saiu até no Jornal Nacional e se alastrou por todo o país. Desde então, o som do miado tem sido a tônica em muitas câmaras. Muitas delas se viram obrigadas, inclusive, a diminuir os próprios salários. Isso mesmo, em vez de aumento, os futuros vereadores irão ganhar menos que os atuais

Ulysess Guimarães dizia que “a única coisa que mete medo em político é o povo nas ruas” e isso tem se mostrado cada dia mais verdadeiro. O miado dos protestos de Jacarezinho chegou longe. Segundo consta, os líderes do movimento estão sendo procurados por moradores de cidades vizinhas e até de outros estados para conhecer detalhes da organização e as propostas. Não há como negar que a lição de cidadania dada pelos “gatos pingados” paranaenses virou inspiração. Já não era sem tempo.

Enfim, a farra com dinheiro público "subiu no telhado", vide a Operação Lava Jato, que não nos deixa mentir. Por aqui, não foi preciso a participação dos gatos pingados. Ainda. Mas a indignação popular deixou claro que, se for preciso, também iremos miar.


Henri Dias é advogado em Fernandópolis (henri@adv.oabsp.org.br)