Sábado, 20 de Abril de 2024

Criança recebe alta de psicólogo e tenta suicídio

30/03/2015 as 13:01 | Votuporanga | Da Redaçao
Na Constituição Federal do Brasil, [Art. 196], a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos.
Diante de tantos casos de desrespeito às leis, a saúde pública no Brasil não está imune. Em Votuporanga, a realidade infelizmente não está muito diferente. Sem atribuir culpados políticos, o problema se agrava cada vez mais. Entra ano, sai ano; entra governo, sai governo; o problema é muito maior do que se pode imaginar.
“Só quero que meus direitos sejam garantidos. Um atendimento no psicólogo, nada mais,” desabafa Adriana Cristina Souza, 33, mãe de Daniel Junior dos Santos, 14.
Ele, que foi diagnosticado desde criança com leve retardo mental, é acompanhado desde os 3 anos de idade por psicólogos e psiquiatras. “Quando descobrimos o problema, eu pegava minha bicicleta, cruzava a cidade inteira inúmeras vezes por semana, para que ele recebesse atendimento na Secretaria”.

Diagnóstico
Daniel foi diagnosticado com transtorno de bipolaridade e TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). No parecer do neurologista Paulo Sergio Rodrigues, o jovem é incapacitado para o ato de vida civil. Em suma, precisa de acompanhamento psicológico.
Porém, no inicio de 2013, sem explicação alguma, ele recebeu alta da Secretaria Municipal de Saúde de Votuporanga, ficando sem atendimento periódico com o psicólogo.

Tentativa de suicídio
“Ele estava melhorando, de verdade. Mas, tiraram o atendimento com o psicólogo. Questão de um ou dois meses depois, após uma sessão de crise, ele tentou se enforcar com as próprias mãos. Vi meu filho num estado terrível, que nenhuma mãe merece ver. Não desejo isso pra ninguém”.

Laudos contestados
Já a Secretaria de Saúde de Votuporanga não concorda com a teoria da mãe de Daniel. Para eles, o paciente pode apresentar períodos de melhora e ficar sem apoio do psicólogo, opinião esta que foi contestada por Giseli Moretti também psicóloga.
“Interromper o tratamento pode trazer prejuízos e retrocessos sérios à saúde da criança que esteja em sofrimento psíquico. Muitas vezes, o desligamento do paciente causa sofrimento para ele e para família. O trabalho que vinha sendo realizado foi inteiramente perdido. A falta do acompanhamento psicológico pode deixar o paciente e suas famílias desamparados e sem saber como agir em situações de crises intensas. No caso do paciente estar colocando em risco a própria vida, o acompanhamento não pode deixar de existir, pois isso indica que o paciente necessita de profissionais do serviço de saúde mental para auxiliar nesse intenso sofrimento psíquico”.

Na fila
Depois do triste episódio o psiquiatra pediu novo encaminhamento para atendimento psicológico. “Ele [o médico] ficou ‘bravo’. Me disse que de jeito nenhum o Daniel poderia ficar sem receber atendimento. Peguei o encaminhamento e levei diretamente à Secretaria de Saúde, e lá ele ficou.”
As atendentes da Secretaria informaram à mãe que receber o atendimento com o psicólogo poderia demorar, pois segundo elas, haviam muitas pessoas na fila de espera.
Anos se passaram. Sai 2013, entra 2014… Começa 2015 e nada! Nenhuma resposta, e as idas da mãe até a Secretaria de nada adiantaram. Sempre a mesma resposta: “não tem vaga, não tem médico, tem muita gente na fila”.
A falta de informação, conciliada à troca de funcionários, fez com que o garoto ficasse fora da lista de espera. Somente na semana passada, depois de muito insistir, a mãe indignada decidiu procurar ajuda nas redes sociais.

Arquivo Morto
Ela recebeu apoio de muitos desconhecidos, até que a denúncia chegou a um dos vereadores municipais, que procurou informações sobre o caso junto à Secretaria.
“Eu e o vereador André Figueiredo fomos até a Secretaria de Saúde, dissemos que não sairíamos dali até entender o que estava acontecendo. Pedi para ver o pedido de encaminhamento. A princípio, eles procuraram; depois de um tempo, vendo que estava perdido, tentaram me convencer a desistir do encaminhamento, dizendo que um novo seria suficiente e que o antigo não era mais útil.” Depois de muita insistência, as funcionárias continuaram procurando e encontraram o pedido dentro de uma pasta de arquivo morto.
“Eu estive esses anos indo regularmente à Secretaria para acompanhar, e elas só me diziam para esperar. Nem sequer olhavam, diziam que era normal esperar”. Quase três anos se passaram e, durante esse tempo, o jovem Daniel apresentou mudanças significativas em seu quadro clínico.
Foi diagnosticado como intelectualmente deficiente, e segundo a mãe, as crises são cada vez mais frequentes. “Ele não tem nem uma unha, nem nas mãos e nem nos pés. Ele as arranca de nervosismo durante os ataques. Não sei mais o que fazer! Será que somente eu fui atrás? Será que somente eu me preocupei? Quantas crianças estão na fila, passando por provações, quantas mães sofrem como eu sofri e para quantas pessoas eles dizem ‘aguardem, mais um pouco, por favor’?.
“A Secretaria disse que estão tentando contratar mais psicólogos, e que logo meu filho vai ser atendido.” Com os olhos cheios de lágrimas, a mãe pergunta: “Será que eles não percebem que tem gente sofrendo por aí, porque só agora estão contratando? Porque não contrataram antes?”

Resposta
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, a demanda no setor é muito grande e os investimentos feitos não são suficientes. Mesmo sendo investidos 30% da receita municipal, faltam apoios do governo estadual e federal.
A Secretária disse ainda que concedeu alta no tratamento psicológico, pois não havia necessidade para se continuar, fato contestado por demais psicólogos e também pela família do jovem.
A respeito da tentativa de se enforcar, a Secretaria afirmou que este fato em questão não tem relação com a falta de tratamento psicológico. A pasta aceitou que crises podem acontecer.

Dúvidas
Não tendo ficado muito claro o posicionamento da Secretaria a respeito, fica a pergunta: porque se cancelou o tratamento? A pasta admitiu que “isso, infelizmente, de um modo geral, não é muito bem aceito, pois vivenciamos uma cultura de responsabilizar o outro e isto torna qualquer intervenção ‘antiterapêutica’”.

Crises
A vida de Daniel é composta por altos e baixos, momentos felizes, outros nem tanto, não muito diferente do resto das pessoas. Seu dilema não o torna deficiente em nada, somente especial em suas características. Depois de tantos problemas na escola, a mãe só tem a agradecer ao Dirigente Regional de Ensino, José Aparecido Duran Netto.
“Ele pegou o caso do meu filho em específico e nos ajudou muito. Ele não fez do meu filho só mais um dado de inclusões no governo; ele realmente o incluiu na escola, de verdade.”
A mãe se referiu também às propagandas que sempre acompanha pela televisão, mostrando um mundo ideal na escola, este que ela afirma não existir. “É muito diferente do que vemos na TV. Ele sofreu bullying, as professoras deixavam ele de lado, desistiam dele. Já com o Duran, foi tudo diferente. Ele realmente nos ajudou”. Por telefone, Duran disse se sentir muito grato e afirmou que a Secretaria Estadual de Educação tem por obrigação a inclusão dos alunos. “É defendido na constituição o direito à educação e só fazemos valer a lei”, concluiu.

Tratamento
Sobre a possível retomada do tratamento psicológico de Daniel, Giseli Moretti, que faz parte da Associação de Saúde Mental de Votuporanga, na qual Daniel é membro, afirmou que “o tratamento psicológico é essencial para a vida dele. O serviço do município deve proporcionar tratamento gratuito humanizado, psicológico e psiquiátrico já que ele já tem o diagnóstico em mãos”.
A secretaria de saúde afirmou: “No dia 23/03, devido ao transtorno gerado, do adolescente que aguardava por um atendimento psicológico, foram orientados pelo Coordenador de Saúde Mental do município em relação aos próximos atendimentos, e o adolescente passará por avaliação psicológica em 09/04/2015 e manterá seu acompanhamento periódico no Ambulatório de Saúde Mental”.
E empilhado em algum canto nos depósitos das secretárias de todo lugar está a dignidade do povo brasileiro. O caso do jovem de apenas 14 anos, Daniel Junior dos Santos, é a prova de que investimentos altos ou baixos não são sinônimos de qualidade. A desorganização e a burocracia tardam e muitas vezes falham a saúde em todas as suas instâncias.


(Colaborou Mateus Paiola) Diário de Votuporanga
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