Sexta, 19 de Abril de 2024

Guarda compartilhada (?)

28/11/2014 as 20:06 | | Da Redaçao
A separação de um casal é sempre um momento difícil. Esse momento se torna ainda pior quando, com a separação, entra em cena a disputa pela guarda dos filhos. Desde a aprovação do divórcio no Brasil, em 1977, a regra manteve a guarda dos filhos com as mães, salvo raras exceções, porém, ao longo dos anos, os homens passaram a reivindicar mais a convivência com os filhos. Pensando no bem estar geral, foi crescendo o número de casais que faziam um acordo para que as crianças ficassem com os dois, pai e mãe. Isso se chama “guarda compartilhada”.
Nessa semana, o Senado aprovou projeto que altera o Código Civil e regulamenta e torna obrigatória a guarda compartilhada. De acordo com a nova lei, a Justiça deverá conceder guarda compartilhada aos pais mesmo quando não houver acordo entre eles quanto à guarda do filho. Pela lei atual, a guarda compartilhada é aplicada "sempre que possível".
Apenas a titulo de curiosidade, vale lembrar que os senadores aprovaram a proposta em regime de urgência, sem maiores discussões, talvez mais preocupados com o último escândalo em cartaz.
Sem entrar no mérito da questão, até porque só nos resta esperar sua entrada em vigor, tenho comigo que a nova lei vai tornar ainda mais confusa ou conflituosa a relação entre pais, mães e filhos saídos do divórcio. Vou (tentar) explicar.
Apesar de teoricamente ser a melhor forma de criação dos filhos após a separação, a guarda compartilhada encontra uma série de dificuldades no dia a dia ao ser efetivamente colocada em prática.
A primeira, e talvez a maior limitação, está na própria dificuldade dos pais em concordar com esse tipo de guarda. Isso porque, quando nos deparamos com pais dispostos a abrir mão de seus interesses pessoais, não há problema algum em estabelecer a guarda compartilhada.
Porém, todos sabemos, em especial aqueles que militam na área do direito, que na grande maioria dos casos, a separação se dá justamente porque os pais vivem em permanente conflito, incapazes de dialogar, alguns até utilizando os próprios filhos para atacar o ex-cônjuge. Nesses casos, que não são poucos, aliás, são a maioria, repita-se, dificilmente haverá um consenso com relação à guarda dos filhos. Ou estou enganado?
Não é só isso, porem. Outro grande complicador é a moradia, uma vez que, para que a guarda compartilhada ocorra na sua plenitude, é importante que os pais residam próximos um do outro, como por exemplo, na mesma rua, no mesmo edifício, até mesmo dentro de um condomínio. No mínimo, na mesma cidade, e de preferência numa cidade pequena, porque nas grandes cidades fica impossível vislumbrar a possibilidade de que as crianças estejam simultaneamente na companhia de pai e mãe, como pretende o espírito da lei.
Por mais moderno que sejamos, todos sabemos que a criação e a educação dos filhos não pode, e nem há como, ser definida numa canetada, através da edição de leis. Por isso, não consigo enxergar a possibilidade de sucesso numa guarda compartilhada se os pais separandos não possuem uma relação de respeito e cordialidade e não estão emocionalmente maduros e resolvidos na questão da separação conjugal. Isso quase nunca ocorre!
Não há como negar que, se não houver consenso e um absoluto respeito entre o casal de separados, a guarda compartilhada transformará a vida de todos num verdadeiro inferno, acirrando ainda mais as conhecidas disputas entre pai e mãe nas separações.
Resumindo, penso que a guarda compartilhada é mais uma utopia do legislador, uma vez que, se o casal não consegue sequer administrar o conflito conjugal sem atingir a relação filial, quando não há diálogo, quando não conseguem abolir os filhos do conflito, o sistema da guarda compartilhada obviamente estará fadado ao fracasso, aliás, como a própria relação que ensejou a separação.
Óbvio que, caso me convençam do contrário, meu pensamento pode ser mudado, porém, pela experiência adquirida ao longo de muitos anos de advocacia, penso que melhor seria deixar da forma como estava, analisando, caso a caso, as necessidades de pais, mães e filhos.
Para os detratores das minhas idéias, deixo um pensamento do médico e escritor Augusto Cury, um dos maiores nomes da literatura brasileira atual: “De fato, esse mundo é incompreensível. Quando as crianças nascem elas são especiais, o centro do mundo, mas pouco a pouco muitos adultos as deixam na periferia de suas vidas. Os beijos e as carícias evaporam-se. Os pais trabalham para o futuro por seus filhos, querem lhes dar o mundo, mas não têm tempo para dar a si mesmos. Eles precisam ter uma alma de criança para penetrar no mundo das crianças”.

Henri Dias é advogado em Fernandópolis (henri@adv.oabsp.org.br)


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