Sexta, 19 de Abril de 2024

Câmara é disputada por 98 parentes de políticos

22/09/2014 as 00:00 | Brasil | Da Redaçao
Se as manifestações de junho de 2013 sinalizaram uma insatisfação generalizada com a classe política, em clara demonstração de anseio popular por mudanças, o cardápio de candidatos nas eleições deste ano pode frustrar algumas expectativas.

Levantamento obtido com exclusividade pelo Congresso em Foco revela que 98 candidatos a uma vaga na Câmara são parentes de políticos dos mais variados calibres, partidos e regiões do país. Produzido pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o trabalho mostra que, entre as 27 unidades da Federação, apenas o Espírito Santo não tem candidatos nessa situação. Em tempos de contestação da “velha política”, a lista (confira abaixo) é um banho de água fria no eleitor.

Um dos casos mais notórios da lista é o de Joaquim Roriz Neto, filho da deputada federal Jaqueline Roriz (PMN-DF) e pela primeira vez na disputa eleitoral. Jaqueline renunciou à candidatura pela reeleição alegando querer se dedicar a projetos sociais e à própria família – isso inclui a campanha de Joaquim, que, como o nome indica, é neto do ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz.

Em 2010, ameaçado pela Lei da Ficha Limpa, Roriz deu lugar à esposa, Weslian Roriz, que acabou perdendo a eleição para Agnelo Queiroz (PT). Já Jaqueline, também enquadrada na legislação, chegou a sofrer processo de cassação de mandato na Câmara, por seu envolvimento no chamado mensalão do DEM, mas foi absolvida pelos pares.

Há também o caso de Luiz Argôlo (SD-BA), que tenta a reeleição em meio a um processo de perda de mandato na Câmara aberto em 15 de maio. Irmão de Manoelito Júnior, ex-prefeito de Cardeal da Silva, e do ex-presidente da Assembleia Legislativa da Bahia e deputado estadual Marcelo Nilo (PDT), Argôlo ganhou os holofotes do noticiário nacional devido ao envolvimento com o doleiro Alberto Youssef, preso desde março sob acusação de operar um esquema bilionário de corrupção na Petrobras.

De acordo com reportagem do jornal Folha de S.Paulo, Alberto Youssef bancou dois caminhões lotados de bezerros para Argôlo, a um custo total de R$ 110 mil. Já reportagem da revista Veja revelou troca de mensagens atribuídas ao doleiro e ao parlamentar em que ambos supostamente discutiam sobre pagamentos e saques em dinheiro.

Outro caso curioso é o do deputado Maurício Quintella Lessa (PR-AL), que tenta a reeleição. Primo do ex-governador de Alagoas e também postulante a uma vaga na Câmara, Ronaldo Lessa (PDT), Maurício foi um dos parlamentares que, como o Congresso em Foco mostrou em maio de 2010, votou pelo adiamento da votação do projeto de lei que deu origem à legislação da ficha limpa. Mas, depois da repercussão do assunto em nível nacional e da pressão popular em favor do projeto, o parlamentar votou pela sua aprovação.

Também estão no grupo dos parentes, entre outros, o deputado Arthur Lira (PP-AP), que tenta a reeleição e é filho do senador Benedito de Lira (PP-AL); Arthur Bisneto (PSDB), que tenta uma vaga na Câmara por Manaus e é filho do prefeito da capital amazonense, Arthur Virgílio (PSDB); Sarney Filho (PV-MA), que tenta a reeleição e, como diz seu nome, é filho do senador e ex-presidente da República José Sarney (PMDB-MA), e irmão da atual governadora do Maranhão, Roseana Sarney; e a deputada estadual Clarissa Garotinho (PR-RJ), que busca um lugar que hoje é ocupado pelo pai, o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PR-RJ), candidato a mais um mandato no Palácio Guanabara.

Feudos

Segundo o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Diap, a pratica leva à transformação dos espaços de poder em feudos familiares. “Isso é muito ruim. Pela seguinte razão: por um lado, significa que não está havendo renovação de quadros – os partidos, os movimentos sociais não estão formando quadros e, por isso, fica aí esta transferência hereditária; e, de outro lado, muitos deles estão assumindo espaços de ‘ficha suja’, o que é profundamente lamentável”, observou Toninho do Diap, como é conhecido.

Ele se refere aos casos em que o postulante, barrado pela Lei da Ficha Limpa, coloca algum parente em seu lugar, como forma de manter influência política – como fez José Roberto Arruda, ex-governador do Distrito Federal que chegou a ser preso durante o escândalo do chamado mensalão do DEM, em 2009, para citar apenas um caso atual. Considerado inelegível por ter sido condenado em duas instâncias por improbidade administrativa, Arruda indicou sua esposa, Flávia Peres, como candidata a vice-governadora na chapa agora encabeçada por Jofran Frejat (PR).

Toninho do Diap lembra que, por se restringir ao âmbito da Câmara, o levantamento dá apenas uma ideia do quão vasto é o universo de parentes disputando os mais variados cargos eletivos Brasil afora.“Tem [candidatos parentes] para os governos, para vice-governador, assembleias estaduais, tem muita disputa. Esse levantamento deve ser uns 10% de amostragem. E esses são apenas os mais competitivos. Então, é uma enxurrada de parentes que, talvez, não tenha havido no passado algo tão significativo”, disse o especialista, para quem uma “reforma cultural” em nível partidário, antes mesmo que uma reforma política, pode mudar o cenário.

Para Toninho, partidos devem recrutar quadros mais voltados para a própria ideologia partidária, e não apenas para ajudar na matemática de arrecadação de recursos do fundo partidário. Ou garimpar espaço em propagandas de rádio e televisão – ambos os benefícios eleitorais são calculados sobre o número de votos que cada legenda conseguiu para a Câmara.

“Os partidos têm atraído pessoas que nada têm a ver com sua ideologia. Mas, como são puxadores de voto, ajudam a melhorar o fundo partidário e o tempo de televisão”, lamentou.
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